O melhor lugar do mundo é longe da música do vizinho
Entre o mar e as estrelas, um ruído insistia em repetir a mesma música, seguida de conversas desencontradas, em um arranjo que ofendia a língua portuguesa. Uma combinação próxima do grunhido de vários selvagens revoltados com alguma coisa. Abastecidos pelo álcool, o grupo experimentava o transe que faz perder a noção de respeito e coletividade.
Pelo tamanho da van que chegou com a excursão dava para imaginar que o movimento seria intenso. Aliviou um pouco a nossa premonição a variedade de faixas etárias que misturava casais, senhores e crianças. Nem bem descarregaram as malas, o volume das caixas de som, dentro da casa, já dava uma pista do que enfrentaríamos pela frente.
Tomaram a areia, o ar e o nosso sossego deixando um rastro de latas de cerveja e muita raiva de quem escolheu um pedacinho do paraíso para ouvir o farfalhar das folhas de coqueiros e o movimento da água do mar. O som que se instalou naquele intervalo entre a vida na capital e a movimento das praia badaladas, há vários quilômetros de distância dali, e se manter soberano, mesmo diante do pedido de clemência de quem apenas queria um pouco de descanso.
O apelo para abaixar o volume ganhou um protesto no nosso portão, liderado por gente que só pensava em si. A vontade de extravasar colocou quase quarenta pessoas alinhadas em uma guerra contra os que queriam apenas algumas horas para viver a experiência que aquele quarteirão sempre entregou com abundância: silêncio.
Paraíso contaminado
O lugar que assistiu baleia encalhar e tartaruga nascer, em um extensão de quase dez quilômetros da mais pura calmaria, enfrentava o desaforo de forasteiros para quem a natureza pouco importava. Passavam o dia, afogados em bebidas e muito longe de qualquer mergulho nas aguas cristalinas daquele litoral, enfiavam os ouvidos em músicas impossíveis de entender a letra. Um repertório que encontrava nos decibéis ensurdecedores o êxtase, sem intervalo, que enlouquecia a própria natureza.
Tá, você deve estar pensando nos senhores de idade e crianças que estavam no grupo. Pois bem, os mais velhos se aliaram aos jovens e abasteceram com aquele frenesi inacreditável, uma semana inteira. Não sei o que fizeram com as crianças. Do lado de cá do muro, aconteceram vários pedidos em vão; falamos com a dona da casa, ameaçamos chamar a polícia.
O bom senso estava de férias e não deu ouvidos a quem queria um pouco de trégua para os próprios ouvidos. Um choque entregou a verdadeira condição que acomete a falta de cultura e educação disseminada, no nosso pais. Uma pena assistir pessoas agindo como se estivessem à beira do fim do mundo e não à beira mar. Que tristeza comprovar que quando o assunto é respeito ao próximo, a regra é: faço o que eu quero e os incomodados que se movam.
Ouvidos em pânico
Negociar com pessoas dispostas a se divertir, a qualquer preço, era o mesmo que convencer um leão faminto a largar a presa. O alvoroço musical ia do meio dia à meia noite, infringindo todas as regras da boa convivência. Sete dias foi o tempo que durou esse duelo entre cercas e nos manteve algumas horas confinados aos fones de ouvido de última geração.
Foi tão emocionante a partida que acompanhamos a entrada do grupo na van e, quando o último ocupou seu lugar, oferecemos um longo momento de aplausos. A nossa melhor vingança foi lembrar que teríamos mais dez dias de férias. A deles terminava ali.
Ilustração by Jorge Barros Calixto