A razão e o conflito vivem loucos para se encontrar.
A calma tradicional, entre dois quarteirões nobres, é interrompida com barracas. Dá para reconhecer de longe o convite para provar o abacaxi, a melancia, a laranja: banana é pura vitamina; abacate é a gordura da moda; goiaba, caqui e figo para moça bonita. A salada de fruta ecoa no ar como um chamado oficial para uma das formas de comércio mais antigas que existe: a feira.
Essa é uma cena simples e cotidiana para a razão e o conflito se encontrarem.
Na travessa próxima dali, acontece um movimento diferente. Eu passo, por acaso, e reparo no discurso de um guarda de trânsito com o feirante.
– O Senhor não pode estacionar o caminhão aqui. Por favor pare em outro lugar.
O feirante estava muito zangado e resistente. Quase deu uma banana para o guarda. Logo, uma roda de colegas de trabalho se forma em volta deles.
– Vamos respeitar o próximo Senhor. As pessoas que moram nessa rua não tem que agüentar um caminhão, na frente da garagem. Vou repetir mais uma vez, é proibido – insiste o guarda.
E vai além. Indica algumas ruas onde o feirante pode resolver o problema sem atrapalhar a vizinhança e muito menos levar multa.
Interfiro na conversa deles:
– Seu guarda, por favor.
– Seu guarda não, agente de trânsito – ele corrige.
– Desculpa. O senhor não vai me multar por isso, né?!
Rimos um pouco e o que eu já suspeitava se confirma.
– Moça, as pessoas estão egoístas a ponto de pagar multa, encher a carteira de pontos, e não fazer nada por ninguém. Tem um código de conduta aceito na sociedade, hoje em dia, que dá nojo. É o caso dele. Eu não quero aplicar a multa eu quero que ele faça o que é certo.
E o feirante prefere levar a multa.
Dentro da feira, um burburinho substitui a oferta de verduras; a atitude do agente de trânsito é comentada como uma coisa ruim, de quem não tem o que fazer e quer atrapalhar a vida deles.
– Que absurdo multar o caminhão – diz um feirante.
– De onde saiu esse guarda? Se mete um cliente.
– Nunca ouvi tanta baboseira – completa o dono da barraca.
– Multa logo e cai fora – conclui o motorista do caminhão.
O guarda é agente de trânsito e a mudança de título mudou o comportamento dele.
A fruta, do outro lado, pelo visto é bagaço.